sexta-feira, junho 19, 2009

Coração Cais...

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Eu sempre soube deixar ir,
é que os rios nas beiras aos quais fiquei sem saber nadar
me fizeram assim, dona de caminhos transitórios,
dona apenas do acenar dos viajantes
eu mesma muitas vezes enchi o peito de promessas
e vi acenar remadores,
ficou-me a força...
mesmo que passem os remadores
reforma-se o cais...
por que também há navios que chegam,
também ha os sem portos
que precisam de coisas da terra firme
que tantas vezes obriga os marinheiros a parar
ah outras águas e outras carnes a se buscar em terra
ah coisas que o mar não faz,
eu aprendi que rio é caminho
que mar é caminho
e que as canoas passam
e o rio e o mar vão e voltam
ficou-me acenares e ancoras
reformo meu porto e aceno
tenho coração de cais
mas me fiz argonauta
por questões goegráficas
um dia o rio me levou
e como certas coisas que perdemos
nunca mais me devolveu
mas eu não tinha nada
alem das maresias
encantei-me com a terra firme
e ficou-me um coração marinheiro num corpo cais
e ficou-me a sede navegante
abastecidas nas esquinas
durmo e navego em sonhos Cléopatra do amazonas, rainha do Anapu
nas noites quentes
nas tardes de tempestade
um coração Amazônico
sabe enfrentar as trovoadas
sabe-se cruzar mareios
entre chuvas enormes
não nos espantam raios e trovões
gostamos mesmo é da noite aberta
das noites claras pra se pegar outros bichos
pra se pescar outros peixes
Ah! nosso coração Amazônia...
teme mais um peixe do que uma onça
sabe o perigo das coisas que não se pode abraçar,
pequenas e perigosas coisas
sabe das coisinhas coloridas que escondem venenos,

sabemos distinguir distintas tonalidades de nuvens e jogamos no bicho por elas, vemos forma, apostamos romances e procuramos deitados depois
de tijelas de açaí... , alguma forma de comunicação com certos deuses desenhistas, que conseguem sempre ter algo a contar mesmo os distraídos

entre as distrações das nuvens e os perigos dos caminhos
construímos esse coração capaz de adversidades, de perigos e deslumbres
com caiporas encantadas, com bichos do meio do mato que saem e assutam sem existirem

Temos também o estímulo da selvageria, as coisas de bicho que faz dificil fazer cativo um selvagem e ao mesmo tempo, somos dóceis como os búfalos do marajó....

Aprendi coisas do rio, sem encher e vazar, sei as distinções dos climas pelas tonalidades das nuvens, as possibilidades de chuva implicadas , nas formas variadas de turvar do tempo, as vezes nem sabemos que o céu é azul de tantos dias cinzentos e molhados

as saias de carimbó imitam vazantes, marés de lançante das cobras dos igarapés...

isso faz do nosso coração sempre um desvendar dos mesmos mistérios.
sempre um redescobrir na similitude da passagem dos dias os momentos, que os fazem diferente

pra um caboclo é sempre preciso imaginar, forjar no peito explicação para perigos indesvendáveis e reais

como atribuindo demônios para os dias, que se busca para distingui-lo entre fenômenos iguais dos dias iguais, cinzas e chuvosos.

Quando eu era cais e tudo em mim parava, eu olha o rio a interrogar pronde ele ia ? demorados e demorados dias, eu me perguntava onde dava aquele fim de rio, e pra onde ele levava os marinheiros acenantes, e outro dia já mais grande eu perguntava donde trazia os viajantes e eu ia cada dia mais subindo meu rio imaginário...

e fui ver como nas noites as noites claras , dissipam-se os calores que abaixam as nuvens e as estrelas se revelam no escuro negativo do rio corrente
do rio que leva marinheiros,
do rio que traz viajantes...
de tudo que passa,
de tudo que fica ...
e de tudo que simplesmente é parte da vida do cais ... que maré leva, e as vezes não traz.